domingo, 15 de abril de 2012

Uma missão no Exercício Red Flag.

Aviação de combate do mundo real
A algum tempo esbarrei nesta descrição de um voo realizado em uma dos exercícos Red Flag do ano de 2008 em um blog espanhol, a missão era de interdição feita por uma esquadrilha de F-18 da Força Aérea Espanhola, traduzi do espanhol para o português, e agora compartilho com vocês.

Red Flag 08:
Interdição aérea vista do assento traseiro

Postado por Bob em 7 de Novembro de 2008
Quarta 20 de outubro.

Durante o planejamento do LFE diurno da quinta feira se aproxima de todo o pessoal do MACOM o Tenente Coronel Chefe da 15º Ala da Força Aérea (Espanhola), e nos oferece uma carona no assento traseiro de um EF-18  para a missão do dia seguinte. Depois de negociar entre nós decidimos que eu seria o feliz passageiro. 

A missão vista de fora parece "quase" rotineira. Já chegamos aqui há uma semana e o conceito da operação (RED FLAG) é muito parecido de um dia para o outro. Trata se de um pacote de ataque que vai atacar uma série de alvos na superfície. Vamos protegidos por F-15C e F-16 de SEAD. O que muda (de um dia para o outro) são as ameaças cada vez maiores e as táticas inimigas mais apuradas. E cada vez põe-se menos "algemas" nos Agressores.




A nossa (esquadrilha terá o callsign) "pecos" têm designados como alvo um grupo de veículos no meio do deserto, dentro de um anel de SAM-2, e muito próximo de um SAM-6. Terão que por um total de 8 bombas MK-82 no alvo em uma janela de +/- 30 segundos.

Recebo o briefing da formação que precede o “Mass Brief.” O líder dos quatro aviões faz um repasse pormenorizando os detalhes da missão. Nada é deixado ao azar. São repassados os procedimentos de saída e chegada, a armação das bombas, a espera, velocidades, altitudes, freqüências, etc. A parte de vôo é a mais importante e para qual se dedica mais tempo.

Brifam-se detalhes como as configurações da suíte de guerra eletrônica, canais Have Quick (comunicações seguras), hora de PUSH (push point/ ponto de ajuste do pacote) e o TOT (Time Over Target / Tempo sobre o Alvo), Formatura durante o ingresso e regresso, ameaças e reações diante das mesmas, etc.

Ao alvo dedica-se uma porção especial. É a parte mais importante da missão. De nada adianta sair do push na hora, voar rente ao solo, evitar as ameaças superfície-ar, derrubar os Mig-29 inimigos e chegar vivos ao alvo, se em seguida falha se na hora de por as bombas no objetivo.

No estudo do mesmo, dá se especial atenção a uma infinidade de detalhes. Estudam-se fotografias verticais do mesmo de várias altitudes. Com elas se analisam a disposição dos distintos DMPI (Desired Mean Point of Impact / Centro do ponto de impacto desejado - pronuncia-se "dimpi"). O alvo é um grupo de veículos. Cada um dos veículos constitui um "Dimpi" específico. A cada membro da formação foi designado um "Dimpi" específico. Não vale lançar as bombas ao acaso. Busca se a máxima precisão que as bombas "burras" podem proporcionar. Neste alvo não há considerações de danos colaterais, por esta razão o JFACC decidiu designar as bombas MK-82. A divisão de "Dimpis" dentro da formatura não é feita de qualquer maneira. Tem se que levar em conta o vento na superfície. Ao designar os "Dimpis" por ordem, de contra e a favor do vento, de forma que a fumaça e fogo da explosão precededente não oculte o objetivo ao seguinte (bombardeio). 




Analisa se a manobra de ataque. Trata se de obter a separação suficiente entre as solturas que asseguram que não haja problemas de fragmentação (ricochetes), por sua vez, tem se que comprimir ao máximo o ataque para diminuir o tempo de exposição.

Dirigimos-nos aos aviões que estão estacionados nos "revetmentes" de armamento real. As bombas são carregadas na estação central em um C-VER (Canted - Vertical Ejector Rack)

Uma vez no ar tomamos rumo ao polígono e entramos na "espera" na hora acertada. Na cabine dianteira o piloto da Ala 15 (Capitão A.M) não tem um segundo de descanso, as checagens são continuas. Uma vez que voa o avião líder, Checa os interruptores, confirma as configurações e canais, repassa a rota e tenta roubar alguns segundos para dar uma ultima olhada na foto do objetivo. Tem que memorizá-la logo porque logo, a 300 pés e manobrando agressivamente, será impossível recorrer a ela.

A hora no HUD indica que nos aproximamos da hora do Push. Vai aumentando a velocidade necessária para aproximar se dos 480 KIAS que se manterá no território inimigo.

Por fim o líder abandona o aguardo. Um pequeno ajuste agressivo estabelece a formação na atitude descendente necessária para que eles cruzem a FLOT e se faça o "in the weeds", (voo rente ao solo). Eu vou ocioso na cabine traseira, onde me fixo muito por cima de nós pode se ver as estrelas irregulares da OCA. Haviam feito o push a frente e já estão fazendo seu trabalho.

Os jogadores ar-ar já se adentraram no rádio. O controlador não para de dar informações. O faz em ritmo adequado, designando preferências. Tudo foi falado no briefing, assim os "pecos" vão em silêncio de rádio. Cada membro da formatura se encarrega de limpar com o radar um pedaço do céu e com os olhos, às seis horas do companheiro. O controlador faz bem o seu trabalho e adere a algum leacker, se o ver com tempo para que reajam.

O vôo a baixa altitude no deserto de Nevada é espetacular. Praticamente não existem construções feitas pelo homem, assim é difícil calcular a altitude simplesmente olhando para fora. Os vales, quenions, tudo passa a velocidade vertiginosa. Uma olhada no radar altímetro do HUD me confirma a sensação que eu tinha. Muito baixo. O Capitão A.M é um CR3, Faz o que as normas espanholas o autorizam baixar até 300 pés sobre o terreno. Tem se que conseguir o máximo mascaramento do terreno. As posições dos SAM proporcionadas pela INTELIGÊNCIA podem não ser exatas e não podemos confiar cegamente na guerra eletrônica. Mais além estão os Agressores que, com a faca na boca, farão todo o possível para conseguir pintar a silueta de um EF-18M na fuselagem de seu "Mig-29".

A formação voa em uma perfeita formatura tática, o que proporciona uma grande flexibilidade de manobra a uma baixa altitude e permite aos membros da mesma fornecerem o apoio mútuo vigiando às seis horas uns dos outros. O famoso “check your six” (cheque suas seis horas) da aviação de caça, permanece vigente a pesar das novas tecnologias.

De repente tocam os alarmes. O controlador nos adverte sobre um “leaker” que ameaça a formação.

“Pecos, Chalice, leaker threat BRA 330/20, at 16 thousand. Hot on you. Suggest kick South”
"Pecos, Chalice, 
“Chalice, Pecos copy. Kicking south”.

"Pecos, Chalice, ameaça leaker (caças inimigos) BRA (Bearing, Range, Altitud - Proa/direção, Distância, Altitude) 330 (graus) 20 (milhas), a 16 mil (pés). "Quente" em vocês (em sua direção). Sugiro "desvio" para o Sul"

"Pecos, Chalice,
"Chalice, Pecos copio, Desvio para o Sul."

O líder da formação comunica pela freqüência intra-esquadrilha.

“Pecos, Kick South”.
"Pecos, Desvio pelo Sul"

Ao escutar esta mensagem os 4 EF-18M em uníssono iniciam uma forte curva de 4Gs para afastar-nos da ameaça. A velocidade necessária para chegar na hora prevista começa a aumentar no HUD. Não se pode manter o Kick por muito tempo ou perde se a janela de ataque. Trabalha se com margens de segundos.

Tenta se evitar o enfrentamento a todo custo já que fazê-lo levaria a ter que ejetar as cargas externas e o objetivo dos Agressores haveria sido cumprido.

Hoje se trabalha em duas freqüências distintas para os meios ar-ar e os meios ar-solo, assim não escutamos o encontro que neste momento estão fazendo os F-15C. Ao fim de alguns segundos Charlice nos confirma o abate dos dois Mig-29 que nos ameaçavam.

“Pecos, Charlice, você está livre. Continue com a rota” 
“Charlice, Pecos copio estamos livres.”

Uma vez estabelecido o novo rumo ao alvo, Um novo problema. O RWR nos avisa que fomos iluminados por um SA-6. O piloto inicia um Breack (uma forte curva) com o avião enquanto lança chaffs e gruda no solo. Posso ver claramente como saem e se expandem os cartuchos de chaff dos três, que manobram a umas quatro fuselagens de separação. A manobra foi efetiva e em poucos segundos desaparece o Mud do RWR.

Já estamos entrando na zona do objetivo. Pelo rádio se escuta que os números 1 e 2 "fora" após lançar suas bombas. Agora é nossa vez. Os números 3 e 4 têm a facilidade de que as bombas dos números 1 e 2 marcam o objetivo claramente. Iniciamos o ataque "pop up" com 4Gs até 45 graus de subida. Durante a ascensão observa se a zona de alvos para se localizar as DMPI designados. Fazemos uma rolagem em direção, o que resulta em uma pequena correção da designação, tudo isso para que o computador de missão faça seus cálculos e decida quando soltar suas bombas. Com o botão de bomba apertado na coluna de controle, tem se que manter os parâmetros de velocidade, angulo de mergulho e 1 G até que o indicador de soltura corte o vetor velocidade. Neste momento sente se perfeitamente a través da estrutura do avião a soltura das bombas MK-82 de 250 Kg cada uma.

Iniciamos a recuperação e me cotorço na cabine para ver a explosão da bomba. Com muito pouca separação entre elas levantam colunas de fumaça e fogo. A segunda delas foi perdida. Onde antes havia um veículo, agora só caem restos de ferro retorcido e queimado.




O trabalho não está terminado. O mais importante agora é sair do território inimigo bem de pressa para poder continuar a guerra amanhã. Não há tempo para relaxar.

Rapidamente a formatura se estabelece em altitude muito baixa, o que os americanos chamam de "Nap of the Earth".

De repente um dos membros da formação tem seu alerta aceso para avisar a iluminação de um Roland. Iniciam-se as manobras defensivas e a liberação de chaff, mas o "mud" não desaparece. A inteligência não havia alertado a presença de um Roland na área.

O cruzamento da FLOT rumo a casa ocorre sem maiores novidades. A sensação é de doce alegria. Havíamos posto as bombas no alvo exatamente na hora acertada, mas na cabeça de todos está o maldito Roland.

No debrifim nos confirmam. Todos os alvos destruídos, mas o número três foi derrubado ao sair do objetivo por um Roland. Não havia sido o primeiro nem será o ultimo. Para isso se vem aqui. Para aprender, melhorar e evitar que isso ocorra quando tudo isso for de verdade.

Nada disso entorta um trabalho bem feito pelos pilotos da Ala número 15.
Muito obrigado pelo voo companheiros.
Uma saudação!
 Bob




Glossário e notas de tradução


Agressores - Aeronave executando o papel de inimigo em exercícios de treinamento, As forças armadas dos EUA (USAF / USNAVY) tem esquadrões de caça dedicados a este papel, por muito tempo foram conhecidos como "Aggressores", em sua estrutura atual reformulada tem o nome oficial de "esquadrões adversários", mas o termo tradicional agressor continua sendo usado.

Breack - Curva rápida de alta carga G para sair da mira do canhão de outro caça, ou de um míssil.

Chaffs - partículas metalizadas soltas pela aeronave para iludir sistemas de radar ou armas orientadas por radar.

Callsign - "Nome de código" - Nome dado á uma formação ou voo em missão militar para as comunicações de rádio.

Check your six - "Cheque sua seis", mensagem para ou a regra fundamental da aviação de caça, refere-se a checar a posição de seis horas do código de relógio, corresponde ao "ponto cego" da retaguarda das aeronaves de combate um dos pontos mais vulneráveis na arena de combate visual. 

DMPI - Desired Mean Point of Impact / Centro do ponto de impacto desejado.

FLOT - Forward Line of Own Troops / Linha frontal das próprias tropas - É a linha demarcada pela posição mais avançada das tropas amigas, sendo a "fronteira" da área controlada pelas forças armadas amigas.

Kick / "chute" - fazer um desvio, desvio intencional de qualquer ação brifada sendo executada.

Leacker - Ameaça aérea que tenha passado através da camada defensiva.

LFE - Large Force Exercise / Exercício de grande força (com grande quantidade de aeronaves) 

Have Quick - Sistema de rádio para comunicações seguras, para tal usa criptografia e salto de frequência.

MACON - Mando Aéreo de Combate (Ejército del Aire Español / Força Aérea Espanhola).

Mass Brief - Brifim do exercício que inclui todos os participantes.

Muds - Indicação do receptor de alerta radar (RWR) mostrando uma ameaça de solo a qual não tem identificação de lançamento.

Nap of the earth / "voo rasante"

OCA - Offensive Counter Air / Contra-aérea Ofensivo - Missão dirigida à destruição de recursos aéreos inimigos como bases aéreas e sistemas de radar.

Pop Up - Manobra de ataque aérea elaborada para diminuir a exposição do atacante ás defesas inimigas de solo, consiste de uma aproximação rasante iniciada de uma proa indireta ao alvo, seguida de uma rápida subida para aquisição visual do alvo e uma curva acompanhada de um mergulho para efetuar a pontaria e soltura das bombas finalizada com manobras e medidas evasivas, e retorno para baixas altitudes.

Push - Ponto designado para a saída, em um exercício como a Red Flag onde várias aeronaves (e esquadrilhas) voam missões em pacote, o procedimento de saída deve ser cronometrado para que todos cheguem à área do alvo nos momentos planejados, push inicia o processo na saída, para contrabalançar desvios causados pela ordem na decolagem de tantas aeronaves.

RED FLAG - O maior e mais complexo exercício aéreo do mundo desenhado pela USAF, foi elaborado para entre outras coisas, proporcionar aos seus participantes a experiências das 10 primeiras missões de uma guerra.

Roland – Míssil SAM franco – alemão utilizado por vários países.


RWR - Radar Warning Receiver / Receptor de alerta radar - Sistema eletrônico passivo que alerta o piloto quando iluminado por um ou mais sistemas de radar, tem certa capacidade de identificação de sistema de radar e sua direção azimutal, e alguns modos de operação.

SAM - Surface Air Missile / Míssil superfície-ar - Míssil lançado da superfície (solo ou mar) contra um alvo no ar.

SEAD - Suppression Enemy Air Defenses / Supressão das defesas aéreas inimigas - Missão dirigida á supressão das defesas aéreas inimigas, sistemas de radar, artilharia antiaéreas, e mísseis antiaéreos.

Spike - Indicação RWR de uma ameaça aérea em rastreio ou lançamento. No texto original o autor usou o termo "spike" para contatos RWR do tipo SAM, tomei liberdade de usar "Mud" no momento da tradução.

Weeds - indicação de que a aeronave está operando próximo a superfície.


Rodney "RODMAN" S. Adorno

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