segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

TOWERING INFERNO

Aviação de combate do mundo real.

Por Rodney Adorno


Logo após o então revolucionário F-15 Eagle entrar em serviço na USAF (Força Aérea dos Estados Unidos), percebeu-se que mesmo ele trazendo uma série de novidade para o combate, e embora fosse equipado com uma versão mais moderna do míssil AIM-7F Sparrow de orientação semi-ativa, a versão Foxtrot já era considerada bem mais desenvolvida e confiável que as versões utilizadas no conflito do Vietnã; sua arma de curto alcance o Sidewinder AIM-9J com buscador orientado por calor conhecido como míssil "rear aspect", que só era efetivo disparado contra alvos que apresentassem o "aspecto traseiro", pois tinham como alvo real a grande fonte de calor que era o tubo de exaustão do motor do "bandido". Esta séria limitação continuava obrigando o Eagle a curvar e manobrar para trás do adversário antes de ser disparado. Isto a primeira vista não era um problema para o Eagle que embora sendo uma aeronave grande, apresentava uma ótima manobrabilidade, mas nem todos os cenários seriam favoráveis a este tipo de combate.
Além de ser uma arma de alcance BVR (alem do alcance visual) uma das vantagens do Sparrow é sua capacidade "all-aspect" podendo ser disparado contra um alvo que apresentassem qualquer um entre "todos os aspectos" possíveis, até mesmo o contra alvos vindo de frente, entretanto tal míssil exige que a aeronave lançadora foque a energia de seu radar no alvo até que este seja atingido. Contra muitos alvos, o Eagles muitas vezes seria forçado a entrar em ”dogfight“,como são conhecidos os combates a curta distância, que na época envolviam curvas violentas buscando ás "seis horas" (retaguarda) do oponente para o emprego do míssil Sidewinder, o que concentra a atenção do piloto no hemisfério frontal de sua aeronave, e tornando-o sujeito ao ataque por trás vindo de um outro bandido não observado.

AIMVAL/ACEVAL

Tanto a USAF quanto a USN (Marinha dos Estados Unidos) buscavam uma solução para a principal limitação do Sidewinder, e havia cinco propostas de novos mísseis que o DOD (Departamento de Defesa dos Estados Unidos) resolveu avaliar em um teste conjunto entre USAF e USN que ficou conhecido como AIMVAL /ACEVAL (Avaliação de mísseis de interceptação aérea / avaliação de combate aéreo) que ocorreu no ano de 1977 e utilizaria outra grande novidade conhecida como ACMI (Instrumentação de Manobras de Combate Aéreo), que permitia que pilotos com aeronaves reais em voo igualmente real fizessem combates simulados com mísseis virtuais.

ACMI

O ACMI é um sistema composto por casulos de telemetria, e uma área coberta por estações de monitoramento e registro de telemetria. O casulo ACMI tem o tamanho do corpo de um míssil Sidewinder que pode ser instalados no trilho de lançamento padrão do mesmo míssil, este equipamento mede a posição, velocidade, altitude, carga G e uma série de outros parâmetros transmitidos para as estações de telemetria dentro da área ACMI, o sistema serve entre outras coisas, para arbitrar combates aéreos simulados de treinamento ou testes, permitido validação de disparos de mísseis ou canhões, indicando em tempo real quem foi "abatido" na simulação. O sistema também faz o registro de todos os eventos da simulação permitindo uma posterior analise sendo uma excepcional ferramenta de debrifim, instrução e avaliação.

Casulo ACMI instalado em um F-15 Eagle.


Os rivais

O time azul utilizaria os F-15 (USAF) e F-14 Tomcat (USN) e o time vermelho utilizaria os F-5E Tiger II ativos nos esquadrão agressor que naquela época simulava aeronaves MIG-21 então empregados em larga escala pelo Pacto de Varsóvia e países não alinhados aos EUA. Os esquadrões agressores são dedicados ao emprego de táticas e doutrinas de combate orientais, simulando prováveis inimigos dos EUA, suas aeronaves inclusive utilizavam esquemas de camuflagem da União Soviéticas.
Os grandes e potentes Eagle e Tomcat pareciam ser devastadores, com seus igualmente grandes e potentes radares, e mísseis de médio alcance tinham tudo para trucidar os limitados Tigers, mas a coisa não foi bem assim. Como um dos principais objetivos do programa AIMVAL era testar os mísseis IR de curto alcance, seus organizadores impuseram regras de engajamento que exigiam identificação visual dos alvos antes do disparo, forçando o time azul a entrar na arena visual.



A diferença de tamanho entre o F-15 Eagle e o F-5 Tiger. 
O Agressor (bem menor) com esquema de pintura soviética para simular o MiG-21.



A aviação de caça dos EUA teve uma péssima experiência com tal regra de engajamento no conflito do Vietnã, embora lá tenham lutado com o também grande F-4 Phantom e já contassem com mísseis de médio alcance das primeiras gerações do Sparrow, o problema da identificação amigo/inimigo a grande distância, num ambiente cheio de aeronaves azuis e vermelhas, era realmente confiável apenas através dos olhos do próprio piloto, sendo proibitiva qualquer vantagem de disparo além do alcance visual, como os episódios de fogo amigo logo demonstraram. A pouca manobrabilidade do Phantom e sua enorme visibilidade causada por seus motores fumacentos e a limitada eficiências das primeiras gerações de mísseis, além de não contar com uma arma de cano, tiravam a maioria de suas "vantagens teóricas" contra os ágeis MiGs-17,19 e 21 do Vietnã do Norte.
A campanha de testes foi de junho a novembro de 1977, AIMVAL exigia 540 engajamentos válidos e envolveu 1.800 surtidas, ACEVAL exigia 360 engajamentos válidos e levou a 1.488 surtidas, além de uma série de outras surtidas de experiência para alcançar o nível de proficiência necessário sem contar os engajamentos invalidados. Os enfrentamentos AIMVAL iam de situações (1 X 1) onde um único Eagle ou Tomcat enfrentavam um agressor para situações 1 X 2, 2 X 2, 2 X 4. ACEVAL avaliou táticas e outros fatores que afetam o resultado dos combates aéreos tais como tamanho, razão de força e as condições iniciais (vantagem azul, neutralidade ou vantagem vermelha).


Tática X Vantagem/Desvantagem


Houve certa liberdade para que os pilotos buscassem suas vitórias estimulando assim sua criatividade e espírito combativo, resultando em artimanhas bastante curiosas.
Para contornar o problema da identificação visual, alguns pilotos de Eagle improvisaram a instalação de lunetas de pontaria para rifle sobre o painel de instrumentos de suas aeronaves, colimadas com o canhão. Uma novidade no F-15 era que um alvo rastreado por seu radar mesmo que fora do alcance visual era exibido pelo HUD (visor de cabeça erguida) por um símbolo quadrado conhecido como caixa designadora de alvo, o piloto então poderia manobrar a aeronave para posicionar esta caixa de alvo diretamente a frente da aeronave, alinhando com o símbolo da “linha de água”, um grande W  no centro do HUD, e com o auxílio da luneta identificar visualmente uma aeronave a grande distância. A idéia não era uma grande novidade, o F-4E Phantom antecessor do Eagle já havia sido equipado com um telescópio eletro-ótico conhecido como TISEO, que para tal aeronave resolvia o problema da identificação visual a longas distâncias, tais sistemas foram rejeitado para o F-15 para diminuir os custos de aquisição e operação do Eagle, entretanto a opção dos participantes da AIMVAL/ACEVAL foi uma barata solução de baixa tecnologia. Alguns Tomcats durante sua vida operacional foram equipados com um sistema similar ao TISEO conhecido como TCS AAX-1.

A Luneta de rifle montada á direita do HUD ficou conhecida como “Eagle eye”


A conhecida desvantagem da combinação Eagle/Tomcat + Sparrow, é que por ser de orientação semi-ativa, o míssil busca os sinais de radar que emitidos pela aeronave que o lançara são devolvidos pelo alvo, o que impõe um contínuo rastreamento radar sobre o alvo até que ele seja atingido pelo míssil; este era um detalhe que poderia ser explorado pelos agressores. Tal sinal de radar é uma forte indicação de que você está sendo alvejado e que o adversário está totalmente comprometido com você. No conflito do Vietnã a aviação norte americana já havia testado sistemas de alerta de sinal radar conhecido como RWR, inicialmente desenvolvido par enfrentar a ameaça dos mísseis SAM SA-2. O time vermelho experimentou usar um sistema "doméstico" chamado Fuzzbuster, que nada mais era que um detector de radares da policia rodoviária, usado para evitar multas por excesso de velocidade. Assim que iluminado pelo radar adversário, os fuzzbuster alertava o piloto, a tática então era fugir do ataque ou tentar ficar invisível no filtro Doppler dos radares dos Eagle/Tomcat oferecendo um aspecto de 90° numa trajetória quase perpendicular ao atacante, a tática muitas vezes funcionava. Logo o sistema RWR passou a ser emulado de maneira rudimentar através do sistema ACMI.


O Fuzzbuster funciona na estrada e no céu, fez a diferença em alguns combates aéreos.


 O inferno na torre

No escaldante sol do meio dia no deserto de nevada, oito guerreiros marcaram um enfrentamento, a arena de combate seria a área ACMI conhecida como “o curral” dentro do complexo da Base Aérea de Nellis, quatro Eagles de um lado e a quarenta milhas a frente quatro Tigers, todos rasgando o céu a grande altitude uns em direção aos outros a uma velocidade combinada de 1.200 nós, menos de dois minutos os separavam de um dogfight. A formação de F-15 vinha em uma formatura line abreast, alinhados lado a lado com uma boa separação entre eles, varriam todo o céu distante a sua frente, com seus poderosos radares. A formação de F-5 tinha o apoio de controladores de solo e vinha em dois pares cerrados separados por alguma distância, no radar deveriam aparecer apenas como dois pontos.

A formação de Eagles cometeu um grave erro na partilha de alvos, ao invés de fazer uma marcação "homem-a-homem", quatro F-15 apontaram seus radares e mísseis em apenas dois F-5 na Formação vermelha, os outros dois agressores provavelmente viram isto em seus aparelhos de RWR e continuaram impunemente em direção a seus adversários e livres para buscar uma vantagem posicional.

Mesmo com os pilotos dos Eagles podendo fazer o acompanhamento visual dos contatos através da caixa  designadora de alvo no HUD, cada um deles só poderia fazer o rastremento radar a um único alvo, perdendo o rastreio dos demais membros da formação vermelha, e os F-5 só seriam realmente vistos pelos olhos dos pilotos a cerca de 4 ou 5 milhas, e sua identificação positiva a menos que isto, os pilotos agressores podiam ver os grandes F-15 a cerca de 11 milhas com seus próprios olhos.
Em algum momento os Eagles decidiram disparar seus mísseis Sparrow antes da "merge" como é conhecida a fusão onde os combatentes fazem seu primeiro passe uns pelos outros no momento que marca o início o dogfight, logo os quatro AIM-7F virtuais abatiam dois Tigers.

AZUIS 2 - VERMELHOS 0
Os Eagles podia ser vistos de longe pelos dois agressores sobreviventes, e seus mísseis infravermelho virtuais de curto alcance eram all-aspect, agora sensíveis o bastante para rastrear mesmo o frio aspecto frontal do grade F-15 e sua esteira de ar quente atrás de seus dois potentes motores, eles podiam ser disparado antes da merge, cara-a-cara, e logo declararam a morte de dois Eagles.
AZUIS 2 - VERMELHOS 2
Ao atingir o primeiro passe dois Eagles vivos trocaram olhares com dois Tigers vivos, começava assim a briga dos quatro cães ferozes, curvas violentamente fortes logo puxavam seus narizes e mísseis em direção uns dos outros, os radares dos F-15 rapidamente acoplaram seus alvo e dispararam seus Sparrows, um instante depois os Tigers apontavam e disparavam seus mísseis IR contra os grandes Eagles. Logo em seguida os agressores foram abatidos.
AZUIS 4 - VERMELHOS 2
Os mísseis infravermelhos disparados pelos Tigers do tipo "dispare e esqueça", encontrariam  seus alvos sem qualquer apoio de seus lançadores, e continuaram seu voo virtual de forma autônoma em direção aos Eagles, encerrando assim o combate com o abate de ambos. Os dois Eagles foram abatidos por caras já "mortos".
AZUIS 4 - VERMELHOS 4
ou seria 
zero a zero
?
Do primeiro míssil disparado até a ultima aeronave abatida foi 1 minuto e 52 segundos de combate, e no fim todas as oito aeronaves abatidas. Este evento passou a ser conhecido como "Towering Inferno" nome de um grande sucesso do cinema na época, filme que no Brasil recebeu o nome de "Inferno na torre". Embora não sendo considerado um engajamento válido, era mais uma das demonstrações de que grandes e sofisticados aviões de caça continuavam sendo muito bons na teoria, mas nem sempre venceria na prática, a combinação dos ainda limitados mísseis aos sofisticados F-14 e o F-15 mostravam que ainda não tinham atingido a maturidade como sistemas de armas.
Lições

As consequências das avaliações ACE/AIM foram enormes. Entre os cinco mísseis virtuais testados, o AIM-9L ou Sidewinder "Lima" foi escolhido para ganhar vida. Ficou claro que o fato do radar APG-63 do Eagle ficar amarrado a um único alvo perdendo consciência situacional dos demais contatos no disparo de um míssil Sparrow era algo que precisava ser corrigido, levando a modificações no software do radar, e a busca por um novo míssil de médio alcance que posteriormente veio a ser o AMRAAM AIM-120. O desafio das avaliações estimulou o desenvolvimento de novas táticas, entre elas surgiram novos meios de sobreviver a tiros BVR, e mísseis IR all-aspect. A experiência prática mostrava vantagens tecnológicas ou de desempenho em determinadas áreas nem sempre resistem ao contato com o adversário, e que novamente as táticas bem elaboradas e executadas explorando determinadas desvantagens do adversário podiam contrabalançar suas eventuais vantagens.

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