domingo, 17 de agosto de 2014

Arena BVR, tamanho é documento?

Pérolas da Revista Força Aérea

Um combate BVR
F-15 X F-16




Em sua edição nº22  de 2001 a Revista Força Aérea (RFA) entrevistou o então General (Res.) Charles Chuck Horner (USAF), Horner é veterano do conflito do Vietnã que entre uma longa e progressiva carreira na USAF foi o comandante das Forças Aéreas da Coalizão na Guerra do Golfo (1990-1991), desta entrevista segue o trecho onde ele relata uma vitoriosa tática e certas nuances técnicas de um combate BVR simulado entre Fightingfalcons e Eagles. 


General Charles Chuck Horner em traje de voo afivelado no asseto ejetor de um F-15 Viper



(RFANa resposta anterior, o senhor afirmou que os caças F-15 possuem uma grande assinatura radar, o senhor poderia aprofundar a explanação?

(Gen. Horner): É claro que as informações específicas sobre assinatura radar de cada programa são sigilosas. Mas se você simplesmente usar o bom senso, basta olhar para o F-16 para ver que ele terá uma assinatura radar pequena, por causa de seu tamanho reduzido.

Normalmente, as áreas de onde se tira a maior refletividade radar de um avião são os motores, que brilham para um radar, e os cantos.

Se você olhar para um F-16, verá que ele é bastante arredondado, enquanto que o F-15 possui entradas de ar muito grandes e quadradas, um grande nariz e daí por diante.


F-16 Fightingfalcon (Viper) e F-15 Eagle, grande diferença de Porte


Na verdade, a primeira vez que notei isso foi quando equipamos o F-16 com o AMRAAM - antes disso, o avião só carregava mísseis guiados por raios infravermelhos e o canhão - e eu estava voando uma missão de treinamento contra dois F-15. Agora que carregávamos o AMRAAM. Possuíamos a mesma distância de engajamento que o F-15.

Até então, sempre estivemos em desvantagem porque, para conseguirmos um sinal auditivo confirmando que o sistema de guiagem infravermelho tinha adquirido o alvo, precisávamos diminuir a distância e, de preferência, manobrar para conseguir uma posição no quadrante traseiro do inimigo que, por sua vez, possuía um míssil capaz de acertar-nos de frente, como o F-15 com o AIM-7

Eram dois F-16 contra dois F-15 e deixamos nossos radares no modo TWS - track-while-scan  (trata se do seguimento de um alvo enquanto prossegue a busca por outros). Não locamos neles, mas tínhamos sua informação radar nos nossos radares, que estavam varrendo ao invés de se concentrar no alvo. Isso significa que eles não conseguiam nos ver em seus aparelhos de alerta radar (RWR) até que estivéssemos muito perto deles.

Finalmente, locamos nossos mísseis e declaramos os tiros nos rádios, pois nossos HUD - Head Up display nos diziam que eles já estavam na "no escape zone" (distância a partir da qual o míssil se encontra em sua zona ideal de atuação na qual a aeronave inimiga não consegue escapar dele), o que significava que não importava quais manobras fizessem eles não conseguiriam escapar dos mísseis que havíamos acabado de lançar, de forma simulada, é claro.

Mas o que me surpreendeu foi que eles jamais atiraram contra nós. Havíamos tentado tirar seus RWR da luta, deixando nossos emissores no modo TWS. No debrifim, eu perguntei: Por que vocês não atiraram? Quando fomos examinar seus gravadores de dados do armamento, notamos que eles não nos tiveram no radar!

Eles não conseguiram nos ver devido ao nosso pequeno tamanho. Essa é uma tremenda vantagem, porque com uma assinatura radar pequena, você pode se aproximar do inimigo sem que ele acuse sua presença, sem que o radar dele o perceba, até que você esteja perto. E o radar do F-15 é muito poderoso, pois tem uma grande abertura e muita potência. Mas a verdade é que eles não conseguiram nos ver. Foi então que comecei a apreciar o pequeno tamanho do F-16, suas formas arredondadas e a relação dessas características com a assinatura radar.

Reflexão 

Interessante que, embora esta diferença de tamanho entre estas duas aeronaves, e consequentemente a dimensão da seções retas radar de cada um deles, sejam obvias, foi necessária uma experiência real para que este fato se tornasse mais relevante para o Sr. Horner, uma consideração importante com implicações táticas relevantes que veio a tona durante um exercício de treinamento prático.

O emprego tático da disciplina do controle de emissões utilizando o modo de operação radar TWS permite um acoplamento radar "virtual", possível graças a capacidade de processamento de dados do sistema de radar, que não altera o padrão de busca da antena radar, nem a frequência ou intensidade de seus sinais, tal modo de operação faz um rastreio mais discreto, ação que deve ter atrasado o alerta RWR dos Eagles, que combinado ao pequeno RCS do F-16 o tornaram "invisível" aos adversários naquele combate.  

O fator sorte pode ter influenciado neste caso, mas certamente o maior RCS do F-15 contribuiu para a vitória dos Vipers. Este evento demonstra que maior potência e alcance de um determinado sistema de radar não garantem uma vantagem aparentemente óbvia. O potente sinal de radar do Eagle pode na verdade ter favorecido o RWR dos F-16, tornando seu pilotos conscientes de sua direção e indicando para onde concentrar sua busca radar.

Quando o Sr Horner e seu ala resolveram atirar com seus alvos dentro da no escape zone, efetuando a "locagem" radar, ação que muda a frequência e o sinal radar concentrando o no alvo, e provavelmente alertado o RWR dos Eagles, já seria tarde, e como dito antes, estes nem assim conseguiram detectar seus adversário com radar. 

A vantagem da baixa observação radar como vista neste relato tem justificado todo o dinheiro investido no desenvolvimento de tecnologia stealth nas ultimas décadas, assim como a atual corrida por caças de 5º geração entre os países militarmente mais desenvolvidos. 


Um piloto de F-16 observa de seu escritório um adversário que seria difícil na arena BVR.

Atualmente chega a ser frustrante voar versões mais antigas do F-16 em combate BVR contra aeronaves mais modernas como o Eurofighter, construído com o extensiva utilização de materiais compostos que lhe propiciam reduzido RCS, o que atrasa sua detecção radar. Outra vantagem tecnológica é o radar de bordo do Typhoon com tecnologias LPI, que fazem com que este seja muitas vezes ignorados pelo RWR do Viper, ou se mostre intermitente, isto sem levar em conta as tecnologias de interferência eletrônica mais atuais. Aeronaves como o Eurofighter conseguem a primeira oportunidade de tiro contra seus concorrentes mais antigos, embora apresentem quase o mesmo porte físico.


Viper vs Typhoon, quase o mesmo porte físico, assinaturas radar bem diferentes.


O tamanho maior permite à aeronave transportar um radar maior e mais potente, sistemas mais eficientes de refrigeração para equipamentos de guerra eletrônica e uma maior quantidade de mísseis e combustível, o que é uma vantagem para as antigas táticas de combate BVR que exigiam maior persistência de combate, mas isto levanta uma preocupação com o RCS. Grandes aviões de combate carentes de tecnologias stealth perderão espaço na arena de combate BVR de hoje e amanhã onde todo mundo está tentando ficar mais discreto, já os pequenos continuarão sendo pequenos. O que é mais vantajoso, levar mais mísseis ou ser sutil e discreto? 

Glossário:

BVR - Beyond Visual Range / Além do alcance visual - Capacidade de combate para médias e grandes distâncias. 

Eagle - Nome de batismo dado pela USAF ao F-15.

Fighting Falcon - Nome de batismo dado pela USAF ao F-16

locagem - corrupitela de "lock on" (trancamento) é um acoplamento radar no qual tal aparelho concentra toda sua energia no alvo em questão para leitura mais apurada de vários parâmetros para pontaria e disparo de armas.

LPI - Low probability of intercept / Baixa probabilidade de interceptação - Tecnologia que explora vários métodos eletrônicos de disfarçar os sinais de radar como maior largura de banda, salto de frequência, modulação de frequência, compressão de impulso e etc. Tudo para evitar detecção de sinais por parte de sistemas passivos como RWR.

RCS - Radar Cross Section / Seção reta radar - índice ou medida da superfície refletora radar de determinada aeronave, também conhecida não muito adequadamente como assinatura radar de uma aeronave.

RWR - Radar Warning Receiver/ Receptor de alerta radar - Sistema eletrônico passivo que detecta sinais de radar que o iluminam, fornecendo alerta de eventual iluminação radar, e locagem, fornece a direção do contato e conta com certa capacidade de identificação do radar em questão.

Viper - Apelido dado pelos pilotos ao F-16 Fighting Falcon.

stealth - Furtivo(a) - tecnologia de diminuição do nível de observação de uma aeronave, seja radar, infravermelho (calor), visual ou acústica (som), mas tem sido dado mais enfase na questão de diminuição do RCS focado na detecção radar. Muitas vezes traduzido erroneamente como "invisível" ao radar.


Typhoon - Nome comercial do Eurofighter 2000.
  






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