segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Kfir X Hornet



Neste artigo apresento a tradução do relato de um combate simulado contra o CF-18 Hornet da Real Força Aérea Canadense do ponto de vista do piloto de um Kfir da Força Aérea Colombiana.


Imagem meramente ilustrativa, um F-18 Hornet dos Fuzileiros Navais dos EUA na "merge" contra um F-21 Kfir Agressor sobre o deserto de Nevada. A imagem foi manipulada (na foto  original havia um F-5 Tiger na ala do Kfir, A US Navy manteve, por alguns anos, um esquadrão de Kfirs para o papel de "adversário" (inimigo simulado) em treinamento de combate aéreo dissimilar. 


Texto original:



Red Flag

Em 21 de julho de 2012 ás 14:32 horas, na área de exercícios da Base da Força Aérea de Nellis (USAF), quatro caças Kfir com bandeira colombiana participantes da Red Flag, o exercício de guerra mais exigente do mundo, alcançaram uma identificação visual de um F-16 inimigo. Dois membros da formação ao tê-lo no campo visual do HUD, decidiram solicitar a seu líder de esquadrilha um "split" para atacar o F-16 inimigo, entretanto, neste momento o número três da formação alcançou visualmente um elemento que erroneamente identificou como inimigo e ordenou a quebra da formação tática presumindo que se tratava de uma emboscada. A oportunidade de fazer um engajamento visual e utilizar nossos mísseis IR "all aspect" desapareceu...

A ideia de não ter aproveitado um abate de uma aeronave das características de um F-16, em um exercício tão importante, deve atormentar um piloto de caça por muitos anos, neste não seria a exceção!




Hornets sobre a Colômbia


três caças Kfir colombianos voam em formação com um CF-18 canadense

O momento da revanche, graças a interoperabilidade alcançada pela Força Aérea Colombiana e a liderança de seus comandantes, se deu melhor do que se imagina. Em 09 de outubro de 2013, o Esquadrão de Combate nº 111 de caças Kfir foi autorizado pelo comandante da FAC a realizar em território colombiano. Pela primeira vez na história do país, um exercício de reabastecimento em voo com o CC-150T Da Real Força Aérea Canadense e posteriormente combates aéreo 1 X 1 com os famosos CF-18 Hornet, participantes de vários conflitos internacionais, entre eles, a Operação Tempestade no Deserto na Guerra do Golfo.

O comandante do Esquadrão Nº111 de Kfir selecionou seis pilotos para desenvolver o planejamento da missão, que em um exercício desta magnitude poderia levar anos, vários dias , incluindo semanas, entretanto o treinamento recebido no exercício Red Flag deixou sólidas bases de conhecimento das quais diariamente colhemos seus frutos. Em poucas horas consultamos manuais internacionais que regulamentam  o reabastecimento em voo com a Real Força Aérea Canadense, criamos cartões de coordenação com suas aeronaves de combate e estabelecemos os parâmetros de informações no Esquadrão de Combate nº111.


Caçadores colombianos e canadenses posam para foto por ocasião do exercício de reabastecimento em voo e combate aéreo.

O oficial de armas do Esquadrão liderou o brifim de coordenação, utilizou fraseologia padrão da OTAN. O comandante geral da Real Força Aérea Canadense participou de seu lançamento, explicando a importância que este exercício significa para as nações. O Comandante do Comando Aéreo de Combate nº 1 localizado em Puerto Salgar, Cundinamarca, que liderou todas as modalidades de comando, nos disse a frase certa no exato momento "Amigos vão fazer história", isto quebrou nossa concentração, mas de um lado, nos acrescentou uma excepcional motivação, e por outro lado, aumentou o peso da nossa responsabilidade do exercício que íamos fazer. Compromisso e dificuldade que os aviadores militares aprendem a administrar desde o início de nossas carreiras.

"Step time! 12:55", disse meu líder de elemento quebrando a magia do momento para nos trazer a realidade, vamos fazê-lo!

Decolou o elemento Dart 21, formado por Thor e Stuka e a esquadrilha  Gamble 41 formada por Apostol, Zero, Magno e Curtis. A disciplina e profissionalismo de meu esquadrão estava no treinamento de voo. Husky 31, codinome do avião tanque canadense, estava na área restrita de Palanquero pronto para nos fornecer combustível, desenvolvemos as comunicações de acordo com a terminologia da OTAN, nos sentimos tão a vontade e treinados para fazer aquilo, que parecia uma missão de rotina com o nosso B-767 Júpter, mas a bandeira canadense e o novíssimo CF-18 com sua característica folha de sua bandeira na fuselagem, nos fazia lembrar que estávamos representando nosso país mais uma vez. A concentração teria que reinar na mão fria e serena do piloto de caça.


Caças em formação com o avião tanque canadense

Todas as nossas conexões tiveram sucesso, tínhamos alcançado o primeiro objetivo; o piloto do CF-18 solicitou então abandonar a formação e prosseguir com o DART 22 para a realização do primeiro combate ar-ar. As batidas do coração aumentaram, havia chegado a hora de enfrentar um dos aviões mais letais do mundo, sob o comando de uma das armas aéreas mais letais da minha nação.

Para enfrentar a outra aeronave de combate em missão de treinamento, devemos ter manobras e comunicações padronizadas, regras de combate e segurança. Estabeleci a formação com o CF-18, cotejando suas instruções para iniciar a manobra, o que fazia me sentir orgulhoso do esquadrão a que pertenço. Voddo 11, callsign do CF-18, transmitiu pela frequência interna "Dardo 22, Fighter wind i will do mi G'ex", que queria dizer que passaríamos a voar uma formação ofensiva enquanto aquecia seu corpo para aguentar a força G durante o combate. Quando vi sua puxada G me confirmou porque é tão famosa sua razão de giro, as extensões do bordo de ataque e, e extensões da raiz da asa, que lhe permitem fazer o aquecimento com alto AOA em velocidade relativamente baixa enquanto assisto atordoado mantendo a formação em suas seis horas. Ele terminou e transmitiu "DART 22 line abreast 2  milhas", era o momento de assumir a posição que começaria o Dog fight.

Voddo 11 declarou "Check 45 left", para permitir a vantagem neste primeiro combate, enquanto aplicava 4G para as cinco de sua posição e ajustava meu modo ACM do radar para fazer a "locagem" do Hornet, sua imagem; como era de se esperar, não foi nada familiar, o Hornet me solicitou a distância para iniciar o combate, buscando os parâmetros para informar os 9.000 pés que regulavam a configuração de inicio das manobras, como se ensina em nosso Esquadrão eu estava com as mãos no manche e na manete de potência para dar a vida lutando.

"Dardo 22, voddo 11 Fight's on", iniciando o combate observo seu rompimento e desprendimento de sua capa laminar; eu sabia que devida imediatamente realizar o lançamento de meu míssil IR para aproveitar a situação, assim o selecionei como prioridade, entretanto meu sistema de aviônica me informou que meu míssil IR havia sofrido uma inesperada falha eletrônica, enquanto analisava instintivamente a utilização de meu HOTAS, para realizar a mudança para um míssil de orientação por radar para verificar se a distância estava dentro do alcance, o sistema me informou que estava dentro do alcance cinemático e decidi fazer meu primeiro FOX-3 (lançamento de míssil por radar ativo).

Para descrever o que aconteceu, me dei conta de que muitas coisas se passaram em poucos segundos, meu míssil orientado por radar acertaria  o Hornet enquanto ele continuava superando meu avião com sua superioridade de desempenho, eu estava transitando de uma posição ofensiva para defensiva, seus inegáveis raio e razão de curva haviam superado o rendimento da minha aeronave, inverti o avião mudando meu radar para varredura vertical para tentar fazer novamente uma aquisição, faço um "split" e levo minha aeronave para perto do limite AOA (ângulo de ataque), mantenho a posição enquanto aplico 5.5 Gs, faço a aquisição visual, mas meu radar não consegue efetuar a "locagem", perco velocidade e energia; por fim tenho o Hornet novamente em meu radar, ele está dentro do alcance do meu míssil orientado por radar, porem, seu ângulo de aspecto está muito próximo da "beam", e realizo meu segundo disparo de míssil radar, sem a mesma sorte da primeira vez, meu sistema de aviônica me informa MISS (erro), tento me reposicionar para dar mais trabalho ao Hornet em sua busca pelas minhas seis horas estando a poucos pés do "floor" (chão) estabelecido para o combate, estou com baixa velocidade, pouca energia, em pós-combustão total, tentando fazer  "jinks" contra o Hornet que tenta uma posição de tiro para canhão, toco o chão quando me informa pela frequência "DART 22 terminate floor". Voddo 11 é instrutor de Hornet com mais de 2.500 horas ordena pela frequência o termino da manobra. Voddo 11 transmite "DART 22, Tanker BRAA 045, 32, 16K, Great fight", indicando a posição do avião tanque.

Enquanto eu orientava meu radar para realizar a interceptação do avião tanque, refleti sobre o que tinha sido feito nesses dois minutos de combate; todo meu treinamento até chegar no melhor esquadrão de caça do país tinha se materializado naqueles poucos fragmentos de tempo. Senti me honrado em usar a bolacha amarela que identifica o Esquadrão 111 e o tricolor representando meu país, pensei que nosso país deve se orgulhar dos guerreiros que defendem sua soberania, também analiso a importância deste tipo de treinamento. Quando ingressava na área de reabastecimento em voo, eu observava em contato data link meu líder de esquadrilha que cruzava minha rota em direção ao Hornet para o segundo combate, de onde novamente saiu o alto nível de treinamento e profissionalismo e altos padrões de meu Esquadrão e Força.

Mais uma vez confirmei a transformação da Força Aérea Colombiana como líder regional era um feito e a participação de seus Esquadrões de caça devem adornar, sempre que é posto a prova, a difícil tarefa de nos mantermos acima. Reafirmando que somos a Força!

Reflexão

O texto apresenta uma situação interessante enfrentada pelos pilotos colombianos em sua participação no exercício Red Flag em 2012, onde houve uma falha de identificação de um contato visual, a primeira vista classificado como inimigo (F-16 Agressor). Sabe-se que naquela ocasião um dos participantes da Força Azul era os Emirados Árabes Unidos com seus F-16C, o que poderia causar certa confusão em uma arena visual, mas não ficou claro se este foi o caso.

Em uma quantidade considerável de vezes devido a panes falhas de comunicação, seja por interferência ou outros motivos, participantes do exercício perdem o apoio do AWACS para identificação de contatos, mais um pouco de confusão do campo de batalha do mundo real que se pode experimentar no exercício de guerra aérea mais realístico do mundo. 

Tal falha de identificação separou a formação principal alocando recursos valiosos que eram de prioridade para uma missão de ataque, decisão poderiam ter resultado em um evento de fogo amigo, ou outras consequências desagradáveis. Para isto a Red Flag foi criada, ela proporciona aos pilotos a experiência simulada de uma situação mais próxima do mundo real, com o grande número de variáveis que costumam por em cheque os mais rigorosos planejamentos de missão.

A Força Aérea Colombiana (FAC) foi inserida no que ela mesmo reconhece como uma revolução com a aquisição dos caças Kfir C-10/12, entrando no mundo dos caças de 4º geração, isto fica claro com o entusiasmo do piloto com várias tecnologias descritas em seu relato. 

O piloto descreveu um clássico exercício de dogfight no qual teve a oportunidade de começar de forma ofensiva (com vantagem posicional) atrás do Hornet canadense, e destacou bem a diferença de "desempenho de voo" entre seu Kfir de origem israelense (uma evolução do famoso Mirage III/V francês) e o mais moderno F-18 "made in USA", embora o o colombiano estivesse dentro de um cockpit digital, teve dificuldades para manter sua situação previamente ofensiva.


Painel de instrumentos do Kfir Block 60, não muito diferente dos Kfir C-10/12 da FAC


O F-18 Hornet é um campeão no quesito "ângulo de ataque" entre os caças de 4º geração, muitas vezes atingindo 50º de AOA, muito conhecido e facilmente comprovado nas apresentações da esquadrilha acrobática da US Navy "Blue Angels", as razões de curva sustentada dos dois adversários acima são gritantes, o Hornet alcança até 19º/s, o Kfir faz 9,6º/s, num combate de curvas o Kfir teria serias dificuldades.


F-18 dos Blue Angels demonstrando sua capacidade de AOA

O piloto colombiano enfrentou uma pane que o impediu de utilizar seus mísseis de curto alcance IR, passando para os mísseis BVR de orientação por radar. Os Kfir da FAC tem como tal arma o míssil também israelense Derby, o mesmo tipo utilizados pela nossa FAB nos "F-5M".




Glossário

ACM - Air Combat Maneuvers / manobras de combate aéreo - Modo de operação do radar que automatiza o acoplamento radar de um alvo em combates aéreos de curta distância.

all aspect - Capacidade de engajamento que mísseis modernos têm de atacar alvos que apresentem qualquer quadrante inclusive frente-a-frente.

AOA - Angle of Attack/ ângulo de ataque - o ângulo da asa em relação ao ar que se aproxima,  é ele que determina a espessura da fatia de ar que a asa está atravessando.


Beam - Aspecto de uma aeronave visto pelo seu eixo transversal, ou transversal de sua trajetória.

callsign - Nome de código que identifica uma formação (esquadrilha, elemento e etc) ou voo. O formato geralmente é nome + 1º número+ 2º número, nome da formação + quantidade de aeronaves da formação, e o número (posição) de determinada aeronave dentro da formação, o número um é o líder. Pode acontecer de duas formações terem o mesmo nome, e serão diferenciadas pelo 1º número.

Dart - Ver callsign.

dogfight / "briga de cães" - Apelido dado a combate aéreo de curta distância.

elemento - Unidade mínima da aviação de caça formada por duas aeronaves trabalhando em equipe. Dois elementos podem ser unidos em uma formação de quatro aeronaves para formar uma esquadrilha.

FOX-3 - Código para mensagem de rádio informando lançamento de um míssil ar-ar de orientação por radar ativo.

GambleVer callsign.

HOTASHands On Throttle-And-Stick / mãos no manche e manete de potência. Filosofia ergonométrica que concentra os mais importantes funções de controles de combate em botões de comando com fácil acesso aos dedos do piloto posicionados no manche (controle de voo) e a manete de potência (controle de velocidade) da aeronave.


HUD - Head-Up Display / Visor de cabeça levantada. Visor semi transparente localizado no topo do painel de instrumentos da cabine que fornece as informações mais importantes para o combate (pontaria de armas) além de dados de voo e navegação e etc., ele permite que o piloto faça uma série de tarefas sem precisar abaixar a cabeça para ler outros instrumentos da cabine.

Husky 31Ver callsign.

IR - Infra Red/ Infravermelho - No texto, relativo à mísseis de orientação por infravermelho (buscador de calor).

jink - Manobra evasiva para defesa de mísseis de curto alcance, ou disparos de canhão.

locagem - corrupitela de "lock on" (trancamento) é um acoplamento radar no qual tal aparelho concentra toda sua energia no alvo em questão para leitura mais apurada de vários parâmetros para pontaria e disparo de armas.

OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte, Aliança militar entre país da Europa ocidental, EUA e Canada.

Split - dividir a formatura da formação para propósitos táticos com tarefas distintas, geralmente é mantida a integridade da cobertura mútua da formação.

Voddo 11Ver callsign.




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